Por Paula Beatriz Ribeiro.
Que coisa tão bonita, ouvirmos alguém falar, a milhares de quilómetros de distância e sentirmo-nos tão
próximos da luz que emanam.
Que coisa tão bonita deixarmo-nos sentir, na pele, nas vísceras, aquilo que ouvimos alguém dizer que
dói e apercebermo-nos que nos dói cá dentro também.
Que coisa tão bonita.
Como é possível isto do longe e do perto, das distâncias que imaginamos e supostamente nos separam,
da proximidade com que às vezes nos ilusionamos, para apenas descobrir que são feitas de espuma.
Que coisa tão bonita quando sentimos as palavras de alguém, a vulnerabilidade do que outro se permite
partilhar e sermos inundados por uma empatia tão avassaladora, tão genuína em cada fibra do nosso
ser.
Que coisa tão bonita voltar a deixar-me sorrir e chorar por ver e ouvir coisas bonitas. Verdadeiras.
Tão estranho percebermos que, tantas e tantas vezes, o que somos coincide e se revê em quem nunca
sequer conhecemos. Que coisa tão bonita.
E deixar uma conversa, na qual nem sequer participámos, com a sensação de que ganhámos algo, de
que redescobrimos, com aquela vontade de sorrir, de consentir, de contrapor, de opinar, tão envoltos
que estamos numa simples troca de ideias. Para onde foi o nosso mundo para que isto se tenha tornado
tão raro? Terá sido temporário o desnorte?
Que coisa tão bonita, sentir a dor à flor da pele, reconhecê-la, tratá-la por tu e encará-la de frente.
Arriscar a ir ao ponto exato que sofre e sentir apenas, sem lutar. Sem combater a ânsia de
sobrevivência, o receio e aprender com o tempo de que também isto não nos derrubará. Deixar que o
nosso consciente reconheça o trajeto dos pensamentos e se recorde de que o destino final não é o
abismo, não é um fim, mas um recomeço. É meramente uma reconstrução do caminho que já
percorremos, agora com a vala reparada, e com toda a base talvez ainda mais forte. O instinto de fuga
de pouco nos serve neste universo de evolução sofrida. É preciso tomar consciência desse facto e
aprender a contorná-lo. Pôr as mãos à volta do nosso próprio coração, de peito aberto, e continuar a
pôr um pé à frente do outro, por mais lento que tal possa parecer. Ao olhar para trás é quando vemos a
quantidade de passos, as marcas dos trambolhões, a terra lisa de quando estagnámos e, enfim,
absorvemos o muito que já percorremos. E que coisa bonita ver que a dor não nos destrói.
Aceitar é talvez a palavra mais difícil que encontro na minha vida. O ter de e o aceitar. Mas que coisa
bonita é ver que até aqui posso chegar, ao momento em que consigo atingir esta perceção e não me
deixar abalar pela sua imposição, pela inexorabilidade da sua verdade.
Então, hoje deixo-me simplesmente celebrar a coisa bonita que é nos alegrarmos pelas conquistas dos
outros, por termos esta incrível capacidade de nos maravilharmos com o som da voz de outro que não
nós e retirar do momento algo sem roubar nunca nada a ninguém. Que coisa tão bonita me deram hoje.
Paula Beatriz Ribeiro
Portuguesa de 35 anos, desde sempre apaixonada pela forma como as palavras nos unem. Tradutora independente de profissão, trabalho a partir de casa desde 2015, com a certeza de que a liberdade que recuperei me deu anos de vida. De momento, não mudaria nada. Para o futuro, espero poder continuar a encontrar a força para saber escolher o que me faz feliz.